POR JOSIAS DE SOUZA
Fernando Henrique Cardoso, grão-mestre do tucanato,
quer ver o seu partido longe de Michel Temer. Em artigo veiculado neste
domingo, FHC anotou que os tucanos precisam “passar a limpo o passado recente”,
aprofundar o “mea-culpa”, pacificar suas “facções internas” e descer do muro
para encarar o seu dilema: Ou o PSDB desembarca do governo em dezembro ou se
cofundirá com o PMDB, tornando-se definitivamente um ator coadjuvante na
disputa presidencial de 2018, disse.
“É hora de decidir e não se estiolar em não decisões”,
anotou FHC na parte final do artigo, veiculado no Globo e no Estadão. “É hora também de
juntar as facções internas e centrar fogo nos adversários externos.” Sem
renegar o apoio dado à gestão Temer após o impeachment de Dilma Rousseff —“A
transição política exigia repor em marcha o governo federal…”—, FHC desce do
muro para se juntar à parcela antigovernista do ninho.
“Politicamente, há um ponto crítico e alguma decisão
deverá ser tomada: ou o PSDB desembarca do governo na Convenção de dezembro
próximo, e reafirma que continuará votando pelas reformas, ou sua confusão com
o peemedebismo dominante o tornará coadjuvante na briga sucessória.”
FHC talvez não tenha notado. Mas a posição subalterna
do PSDB já é algo consolidado. O partido escreve uma página melancólica de sua
história. Saiu da eleição presidencial de 2014 como maior força política da
oposição. Aécio Neves parecia fadado a virar presidente na sucessão seguinte.
Hoje, o PSDB não chega a ser nem coadjuvante. Perdeu o
posto para os partidos arcaicos do centrão. Virou figurante de um governo
dominado pela banda podre do PMDB, que se divide em duas alas: quem tem mandato
está ao lado do presidente. Quem já não dispõe de foro privilegiado está atrás
das grades.
Para FHC, os grandes partidos brasileiros chegam à
antessala da sucessão presidencial arrastando suas bolas de ferro. Ele escreveu
a certa altura: “Não nos enganemos: por mais que as estruturas de poder
continuem ativas, as marcas do que aconteceu nos últimos anos serão grilhões
nos pés dos partidos e candidaturas.”
Acrescentou: “Nem o PT se livrará dos muitos malfeitos
que cometeu e das ilusões que enterrou, nem o PMDB sacudirá a poeira de haver
formado parte não só da onda petista como de seus descaminhos, nem o PSDB
deixará de pagar por ter dado as mãos ao governo Temer e de tê-las chamuscado
por inquéritos.”
Defensor do afastamento de Dilma e do apoio a Temer
nas pegadas do impeachment, FHC disse que há argumentos para justificar os dois
gestos. Mas se absteve de enumerá-los. Virou a página: “Daqui por diante, o
capítulo é o futuro. É diante dele que os partidos terão que se posicionar.”
Anotou que “o PT está com a sorte colada à de Lula”.
Quanto ao destino de Lula, disse estar “nas mãos da Justiça.” Condenado por
Sergio Moro a 9 anos e meio de cadeia, Lula aguarda o julgamento do recurso que
interpôs no TRF da 4ª Região, em Porto Alegre. Se a sentença de Moro for
confirmada, o pajé do petismo vira um ficha-suja. Pior: pode ser preso.
“Não torço pela desgraça alheia”, escreveu FHC. “Não
sou juiz, não quero e não devo opinar na matéria. Melhor é supor que Lula
dispute as próximas eleições.” O líder máximo dos tucanos dá de ombros para as
pesquisas que acomodam Lula na liderança da corrida sucessória: “Suas chances
de vitória não são grandes.”
Atrasando o relógio, FHC realçou: “Derrotei Lula duas
vezes […]. Por que ganhei? Porque Lula e seu partido se isolaram no que
imaginavam ser a classe trabalhadora, com seus porta-vozes intelectuais. Quando
Lula ganhou minha sucessão [em 2002] foi porque ele e seu partido, com a Carta
aos Brasileiros e outras ações mais, se aproximaram da classe média e saíram do
gueto, alargando sua base de apoio original. Desenhada a vitória e alcançado o
poder, o establishment se juntou aos vitoriosos, sem
temor de ser prejudicado.”
Na opinião de FHC, Lula e o PT “voltaram para suas
trincheiras originais.” De resto, chegam a 2018 com o discurso embaralhado:
“Tentarão relembrar os dias gloriosos da bonança econômica para que o
eleitorado se esqueça dos escândalos de corrupção, das desventuras a que
levaram a sociedade e da recessão que produziram na economia. São competidores,
portanto, derrotáveis.” Ironicamente, FHC expôs a fragilidade do PSDB ao
discorrer sobre as opções a Lula. Não citou nem o governador paulista Geraldo
Alckmin, nem a criatura dele, o prefeito paulistano João doria. Escreveu que a
eventual derrota de Lula depende “de saber que partidos e líderes formarão os
‘outros lados’.”
Acrescentou que do lado oposto ao de Lula “poderão
estar os que ‘jogam por fora’ dos grandes partidos, como Marina e, em sentido
menos autêntico e mais costumeiro, candidaturas ‘iradas’, tipo Ciro Gomes. Só
que no momento desponta outra candidatura ainda mais ‘irada’ e mais definida no
espectro político, a de Bolsonaro.”
De Bolsonaro, afirmou FHC, “sabemos que é ‘linha-dura’
contra a desordem e a bandidagem, mas pouco se sabe —ao contrário de Marina—
sobre o tipo de sociedade de seus sonhos (e meus pesadelos…).” O articulista
mencionou até a hipótese de surgir um aventureiro, que chamou de “easy rider”.
Mas não se dignou a citar o nome dos tucanos, que aparecem nas pesquisas com um
mísero dígito.
FHC tampouco citou o ministro Henrique Meirelles, que
sonha em reeditar sua trajetória, migrando da pasta da Fazenda para o Palácio
do Planalto. Incluiu o partido de Meirelles, o PSD, entre as legendas do
pelotão retardatário, que não dispõem de pilotos capazes de subir ao pódio.
Eis o que escreveu FHC: “O PMDB faz tempo que maneja o
Congresso e sabe imiscuir-se na máquina pública, mas não parece ser um time
pronto para disputar a pole position. O DEM, o PSB ou o PSD e os demais não têm
nomes fortes para a cabeça de chapa, embora possam pesar se ingressarem em um
conglomerado que seja ‘centrista’, mas olhe à esquerda, por mais que tal
ginástica custe a alguns deles.”
“E o PSDB?”, perguntou FHC a si mesmo. “Pode
apresentar algum nome competitivo. Mas precisa passar a limpo o passado
recente. Deveria prosseguir no mea-culpa apresentado na televisão sob os
auspícios de Tasso Jereissati, sem deixar de dar a consideração a quem quase o
levou à Presidência.”
Quer dizer: Além de não mencionar o nome de Alckmin,
um presidenciável com contas a ajustar na Lava Jato, o grão-mestre do PSDB pede
que a legenda tenha “consideração” com o Aécio Neves, um personagem que trocou
a biografia de ex-presidenciável por um prontuário que inclui nove inquéritos e
R$ 2 milhões repassados pela JBS por baixo da mesa. Nesse ritmo, o PSDB acabará
passando seus desacertos recentes a sujo, não a limpo.
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