Favorito à Presidência do Uruguai quer frear acordo com China e focar Mercosul
MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) - A depender do resultado, as eleições do Uruguai no próximo domingo (27) podem tirar uma pedra do sapato do Brasil no Mercosul. O favorito nas pesquisas quer frear as tentativas de Montevidéu de um acordo de livre comércio com a China por fora do bloco.
"Queremos um Mercosul que negocie, mas em bloco. Essa é nossa diferença", afirma ele na sede da Frente Ampla no centro de Montevidéu. "Também precisamos de um Mercosul que consiga acordos, não um bloco ensimesmado."
O atual governo uruguaio, de Luis Lacalle Pou (Partido Nacional), levou à mesa de debate o aviso de que a demora do bloco em fechar acordos faria o Uruguai fechar bilateralmente um acordo de livre comércio com Pequim. O tema gerou atrito com o Itamaraty, que afirmou que isso seria "a destruição do Mercosul".
Em agosto, Lacalle Pou recebeu em Montevidéu uma delegação de alto nível da China, liderada por Liu Jianchao, chefe de relações internacionais do Partido Comunista Chinês, para tratar do assunto. Pequim e Brasília são os dois principais parceiros comerciais uruguaios.
A proposta de Yamandú Orsi, um professor de história e ex-prefeito de Canelones, nos arredores da capital, vai em certa medida na contramão do principal nome que o enfrenta nas urnas. O governista Álvaro Delgado, 55, do Partido Nacional, ex-secretário da Presidência na gestão de Lacalle Pou tem um projeto, claro, de continuidade.
Orsi aparece na liderança das pesquisas, que indicam que haverá segundo turno, a ser realizado em 24 de novembro. Neste caso, a disputa seria acirrada: é o momento em que tradicionalmente se unem os votos da chamada Coalizão Republicana (que une Partidos Nacional e Colorado e siglas menores como o Cabildo Aberto).
Embora tenha preferência para voltar ao poder após cinco anos de centro-direita na Presidência, a Frente Ampla sabe que nada está ganho.
Neste terceiro mandato, o presidente Lula (PT) teve boa relação com Lacalle Pou. Nas conversas entre diplomatas, surge a brincadeira de que, segundo teria dito o uruguaio, em três horas de encontro com Lula ele destravou muito mais a agenda bilateral do que o fez em três anos compartilhados com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder.
São projetos essencialmente burocráticos, mas com a dupla Lula e Lacalle Pou saíram do papel projetos como a binacionalização do aeroporto de Rivera, na fronteira com o Brasil.
Após o primeiro turno no Uruguai, Lula deve oficializar apoio a Orsi. Seu discurso de campanha em muitos pontos se assemelha ao do petista para os órgãos multilaterais.
"Houve um ciclo progressista na América Latina, outro conservador, e nenhum conseguiu mover nada", diz Padrón sobre a proliferação de blocos regionais. "Precisamos sair da retórica para que a integração regional transforme a vida das pessoas de forma prática."
"Somos um país pequeno, e ainda mais por isso nossa estratégia tem de ser em bloco. A integração da região não é uma questão romântica, somente ideológica, é pragmática: se queremos influenciar o mundo necessitamos de escala."
Mas não há total alinhamento. Sobre Venezuela, Orsi diz que buscará colocar o Uruguai como um país negociador. "Queremos ser um agente-chave nesse processo", diz Padrón. Mas não somando-se ao projeto de Brasil e Colômbia. "Isso ficou nebuloso, foram muitas conversas e não houve resultado de fazer o governo da Venezuela aceitar negociar. Chegou-se ao ponto de loucura de propor novas eleições."
A proposta de novas eleições foi ventilada pelo assessor especial de Lula, o ex-chanceler Celso Amorim, que foi enviado pelo presidente para as eleições em Caracas em julho.
Seja quem for o futuro presidente do Uruguai, terá de lidar com um Mercosul que enfrenta as tentativas da Argentina de travar qualquer debate no bloco sobre combate a desigualdades sociais, algo que antes era quase uma linha de consenso. Sobre a figura do ultraliberal Javier Milei, Álvaro Padrón diz apenas que uma possível gestão da Frente Ampla terá de conviver e "quer ser um ator de consensos".
Seu nome poderia aparecer em algum alto cargo de governo de Orsi ganhar. A campanha planeja, aos moldes do Brasil, ter uma espécie de diplomacia presidencial, como um conselho de política externa do presidente para além da chancelaria.
É um papel agridoce. Amorim é o enviado de Lula para desenrolar os principais entraves diplomáticos desse mandato. Em viagens oficiais do presidente, porém, contrapartes de outros governos já relataram ficar confusas de com qual destinatário negociar: o diplomata presidencial ou a chancelaria?
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